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Rui Pedro Jorge
Impávido. Sereno
Galeria Nuble, Santander, Spain
from 13 of December 2012 till 28 of January 2013




Exhibition Views
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 Works on Show
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Inóspito, 2012  
Acrilico e óleo sobre tela, 120 x 150 cm




Bunker B, 2012
 Acrilico sobre tela 42 x 58 cm




Bunker A , 2012
Óleo sobre tela, 42x 58 cm





Iluminado,  2012
Óleo sobre tela, 40x 30 cm




Never were young, probably won't get old, 2012
 Acrilico sobre tela, 58x42 cm




Faith , 2012
 Acrilico e óleo sobre tela, 150 x 120 cm




Teste á capacidade de um pau 
de recuperar a sua forma original 
após sofrer choque ou deformação2012
 Óleo sobre tela, 58x42 cm





Castigo, 2012
 Óleo sobre tela, 100x 81 cm






Palanque, 2012
 Acrilico sobre tela, 46x 55 cm




 Memorial, 2012
 Óleo sobre lienzo, 100x 81 cm








Um silêncio no fim
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“Silence” never ceases to imply its opposite and to depend on its presence:
just as there can’t be “up” without “down” or “left” without “right,”
Susan Sontag in “The Aesthetics of Silence”, Styles of Radical Will.


Sob a palavra silêncio abrigamos as realidades e ideias mais contraditórias. O silêncio da meditação, o silêncio da melancolia, da impotência ou da morte, mas também o silêncio da resistência ou da integridade. Há silêncios cheios de gente e silêncios sem ninguém; silêncios de paz e silêncios gélidos.
Poderão as imagens, e sobretudo a pintura, abrigar alguma modalidade deste silêncio? À partida, a pergunta parece retórica. Desprovida de som, a arte da pintura deveria ser indiferenciadamente silenciosa. Na verdade não é assim, como nos mostram obras como o “Grito” de Edvard Munch ou, num sentido completamente diferente, os “4’33’’”de silêncio (impuro) de John Cage. Grande parte da possibilidade de interferência da arte na vida vem da sua capacidade de atravessar as fronteiras com que julgamos organizar os sentidos. Desorganizando-os, ela (re)formula igualmente a nossa relação com o que nos rodeia, ajudando-nos a escapar à naturalização do mundo. É por isso que ouvimos ruídos nas imagens ou nos abismamos com o silêncio nelas.

O silêncio é a atmosfera constante das pinturas de Rui Pedro Jorge (RPJ). Um silêncio que se produz (e essa produção de silêncio só na aparência é um paradoxo) por uma ausência da presença humana, o que não quer dizer, necessariamente, por uma ausência de actividade. Habitada, com frequência, por estruturas em madeira de estranha configuração, ela parece remeter para um tempo ulterior a qualquer acontecimento, como se organizasse o tempo a partir da imagem da sua imobilidade final, do momento derradeiro da sua extinção.
Nas suas estranhas construções, nos objectos abandonados, nos “zooms” fotográficos sobre plantas ou aparentes superfícies de soalhos parecemos ver um mundo devastado ou de onde a presença humana se pôs em fuga.

O silêncio, a ausência de pessoas na pintura de Rui Pedro Jorge é um silêncio, uma ausência que fala. E fala precisamente através da inquietação gerada por essa (in)habitação. Nesse sentido, a matéria do seu silêncio é também a memória de uma actividade anterior (para recuperar o paradoxo enunciado por Sontag na epígrafe a este texto). Um mundo de restos cuja razão de ser parece perdida com o mundo a que eles anteriormente deviam pertencer.
A essa passividade, a essa ausência de vida - porque a vida se transformou em memória de uma vida extinta – é irresistível associar a história e o destino da própria pintura enquanto instância que fixa o sucedido. Mas essa alusão pretendidamente subliminar não se fica por aqui. Com frequência, a pintura de Rui Pedro Jorge subverte os modelos de representação, estilhaçando os seus códigos de verosimilhança pela introdução de um elemento dissonante numa paisagem ou situação  de aparência naturalista.

Conviria distinguir aqui duas modalidades dessa subversão, que são também dois planos de leitura nestas telas: o que elas têm de pintura (e que só poderia acontecer no campo da pintura); e o que delas é imagem e podia dar-se em qualquer outro campo de captação ou geração de  imagem. Essa diferenciação é aqui importante porque cria diferentes tipos de estranhamento. No primeiro caso encontram-se aquelas pinturas cujo protocolo de inteligibilidade é interrompido por um elemento dissonante, algo que aparentemente quebra o silêncio e reencaminha a imagem para o campo da pintura (como em “Faith” em que formas casulares alastram de uma árvore). No segundo caso, a natureza do que se representa e a sua possível recepção é determinada por uma escolha do enquadramento (veja-se, por exemplo, “Iluminado” em que a imagem de uma planta é posta num plano tão próximo do espectador que ela sai literalmente do enquadramento). Neste caso, a mediação da pintura é determinada por um olhar pós-fotográfico, como se dessa forma, o pintor convidasse o observador a aproximar-se e nessa aproximação se pudesse quebrar uma passividade, um silêncio que, afinal, permanece inalterado.
É verdade que a pintura de RPJ nos envia permanentemente para um tempo depois de qualquer acção ou acontecimento – sem que aí haja qualquer paradoxo – e que esse tempo parece carregar a memória de um tempo anterior.
É sabido que a nossa percepção do tempo se faz pela possibilidade de uma alteração. Um som que interrompe o silêncio, ou vice-versa; uma imagem que quebra a escuridão; uma deslocação geográfica ao longo de uma determinada duração.

A imobilidade nas pinturas de RPJ não é apenas a melancolia de um mundo perdido.  Descobrimos, afinal, que ela se assemelha à imagem de um mundo imóvel, mas deixado armadilhado como uma bomba-relógio. Observem-se pinturas como “Castigo” onde uma pilha de pedras se equilibra à mercê de uma aragem que a derrube; ou em “Teste á capacidade de um pau de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação”, na qual vemos uma enorme pedra vergando um pau demasiado pequeno e frágil para a sustentar.
Equilíbrio precário, tensão, uma realidade à beira do desastre ou um mundo em que o desastre é a única possibilidade de acontecimento? Nunca o saberemos, mas a imagem do equilíbrio versus tensão é aqui demasiado persistente para não ser significativa.

Observem-se as construções das quais não é evidente o propósito em “Inóspito” ou “Palanque”, estruturas cuja funcionalidade não é clarificada e que parecem alastrar mais de acordo com um improviso do que com uma programação prévia de que não temos a chave. A semelhança que exibem com o Merzbaum, a magna construção que o dadaísta Kurt Schwitters realizou nos anos 20, ajudam-nos a pensar nelas como o resultado de um exercício inútil mas persistente, como se nelas agisse uma racionalidade instrumental, sem fim à vista. Talvez possamos chamar-lhe equilíbrios cegos, arquitecturas desnorteadas, ou ir mais além e ver nelas uma espécie de metáfora da própria pintura contemporânea quando esta – já desobrigada de perseguir qualquer teleologia – se entrega à perseguição de estruturas (equilíbrios, tensões) que se dão a ver como jogos aparentemente inúteis, mas tomados por um dramatismo silencioso. Há, pois, um rumor pós-apocalíptico nestas pinturas. E ele deixa-se ver não tanto pela evidência de um fim, mas pelas ondas de choque anteriores que se vêm inscrever na imagem desse fim. É isso que faz todo este silêncio falar.


Celso Martins
Lisboa, 22 de Novembro de 2012